domingo, 2 de janeiro de 2011

Monólogo Plurativo



Um dia estava passeando,
ainda que queira, não me lembro por onde
e me deparei, surpreso,
com pegadas muito estranhas.
Pareciam de coelho,
mas cheiravam a tinta fresca.

Resolvi segui-las, e rastreei-as
até uma árvore de grosso tronco marrom escuro.
O topo não era visível
quão grande era a árvore.
Ainda sim avistava o canto dos pássaros
que ali habitavam
e escutava o cheiro de suas verdes folhas...
A tinta ali no chão era tão evidente
que ainda estava molhada
e acompanhava alguns escorridos e borrões.

Pelo que dava pra ver, as pegadas contornavam a
árvore que fazia uma longa curva logo a frente.
Pra ter certeza, resolvi continuar seguindo,
e na metade posterior da árvore encontrei um senhorzinho sentado,
velho, de barba branca envolta de todo o seu queixo até sua costeleta.
Trajava um paletó completo verde, e uma cartola desbotada,
provavelmente pelo tempo, de mesma cor
enfeitada com um trevo de quatro folhas
muito amassado,
pendurado todo torto, quase caindo...
O senhor segurava um carimbo grande
em forma de pé de coelho
e um balde de tinta de indefiniveis cores dançantes,
que não se aquietavam.
Um em cada uma de suas duas mãos velhas,
ásperas e grossas, com luvas surradas e rasgadas nos dedos.

O senhor realmente não esperou nem meio pensamento meu
e logo me disse, por entre os dentes inferiores saltados,
juntos do seu maxilar que era um tanto quanto avantajado
e pra frente.
Disse com uma voz rouca e pouco estridente:

 -hahaha meu caro jovem...
Você caiu, como tantos outros!
E saiba, não serás o ultimo dos meus
casos...
Você quer fazer a diferença,
quer se tornar algo,
alguma coisa. - Gesticulava com o carimbo no ar -
expressar-se.
Dar de si o que enxerga de melhor.
E que isso possa mudar as coisas!


Sim sim... Pois Zé meu filho...
Eu digo sim!
Pode ser de muitos desses casos
dar-te abraços apertados,
e levar-te para dançar num parque
sem cadeiras de balanço.
Ou pode ser que eles o enganem
e o faça esquecer o que você é...


hehehe...
Construa como quiser a sua casca,
sua casa exterior, seu sorriso,
ou o que quer que seja que você queira
que avistem em você...
Mate uma pessoa...
Escreva um livro...
Cruze os dedos e tenha medo!


Faça o que quiser de você mesmo,
mas nunca se esqueça de você...


O que você guarda aqui - disse ele batendo com carimbo na sua velha cartola verde desbotada - 
e aqui - batendo agora em seu bolso esquerdo do paletó - 
é o que realmente faz de você
um você diferente!


O senhor tirou uma maça do respectivo bolso,
a abocanhou quase inteira em uma só mordida,
guardou o caroço em sua cartola,
e prosseguiu, marcando pegadas por todo o chão...

E antes que não o visse mais, após a nova curva da árvore ele voltou a falar:

 -Ah,
e antes que eu esqueça, não se esqueça...
Que as vezes é bom não errar os recipientes...
E as vezes é bom ponderar aonde se guarda suas coisas...

Com outra leve risada desgastada, ele tirou uma maçã de dentro de sua cartola,
aonde já não havia mais caroço, e colocou-a no bolso esquerdo do seu paletó...


Até nunca!
ou
Até logo!