domingo, 31 de outubro de 2010

Notas de um Banco de Praça

Ouvinte: Parte 1



Num banco vazio de Praça,
assim, como tantos outros, 
resolvi me sentar.
Pra pensar um pouco na vida,
e em seus porquês.
Questionar.

Depois de pouco tempo ali,
revivendo reflexos do que já passei,
senta ao meu lado um senhor.
Tinha lá sua experiência.
Acredito que mais de 70 carnavais,
mas, bem aparentado,
não era nem um pouco ranzinza,
tampouco mal encarado.
Seu olhar era sereno
e seu ar gracioso.

Não demorou muito pro senhor puxar um assunto.
Ele parecia sedento por uma prosa
e não sei porque eu parecia um bom companheiro para tal...

Depois de uma breve saudação,
e um comentário sobre o clima,
o senhor pois-se a falar:

 -É meu querido, aproveite a vida,
porque ela passa depressa,
somos hospedes passageiros.

Mesmo já tendo ouvido tanto isso,
aquele senhor se referia com tal tom,
com tanta sinceridade e pureza,
que me surpreendeu!
Via sinceridade e coragem naquilo que ele disse.

Entre uma e outra tosse fraca ele continuou:

 -Nós passamos por tanta coisa...
eu vivi bons momentos, não sou de negar.
Ri com meus amigos, e como ri, de tantas, quantas
bobeiras você não há de imaginar!
  Pode não parecer, mas já brinquei de ciranda,
já corri quilómetros atrás que piques, de bolas...
  Tive e tenho esperanças, meu olho agora fosco,
já brilhou marejado ao ver alguma luz ao final, 
uma ponte que atasse pontas, algum livro 
ainda que velho na estante, ou,
uma roupa antiga do meu pai,
que havia se escondido no armário, 
e agora parecia-me tão bonita e charmosa... 
  Sim, eu sou esperançoso, 
e não tenho vergonha de dizer, 
que nessa altura da vida, ainda sou!

Quase quis rir, quando vi aquele senhor esforçando-se
pra manter o equilíbrio mesmo sentado, 
rindo com os dentes que lhe faltavam, - ou melhor dizendo: que não tinha -
arqueando a branca sobrancelha,
amiudando seus olhos que já não viam tudo.
Continuei de ouvidos abertos, muito atento ao que o velho dizia.

 -Sei o que você deve estar pensando agora meu "filho":
Nos amores que tive.
Se é que tive... você cogita né ?
Sim sim, eu tive.
E de todos os tipos. 
Não que seja digno de classificar,
mas, tive amores.
E eles me deixaram muito feliz por muito tempo.
Ainda que nunca achemos nossos pais perfeitos, 
tive os meus, e eram bons.
Eles foram muito importantes pra eu ser o que sou hoje. 
Não é atoa que nutrí amor aos véios. he he he

E mais uma vez podia reparar na sua gengiva
quase saltando pra fora da boca murcha.

 -Existe também o amor amigável.
Aaah, meus amigos foram quase tudo na minha vida como já disse.
Dalí provinha as mais profundas gargalhadas, e acredite meu jovem,
nenhum sorriso por si só é feliz, mas rir junto, é muito mais reconfortante.
Amigos chegam, e as vezes infelizmente acabam saindo da nossa vida,
cada um vive a sua independentemente de outros.
  Há as mulheres também... Nunca fui famoso entre elas, tímido e sempre estranho a moda, 
tive poucas, porem sinceras companheiras.
É difícil lidar com esse tal de amor...
Talvez posso estar enganado, mas o amor nunca é equidistante
meu jovem, ainda mais entre homem e mulher. 
E nós seres-humanos, sofremos por isso.
  -Se existe algo que eu quisesse era pesar o amor. 
Pra ver aonde sobra, aonde falta.
Tirar aqui... Retocar ali.
E assim poderia me tirar um melhor proveito.

Astuto, julguei que era melhor não comentar nada, nem
interromper, pro senhor não se perder no andar da carruagem. 
E, assim, o meu silencio se fez.

 -Meu caro amigo...

Já me sentia como um antigo conhecido de suas aventuras
depois desse adjetivo.

 -Talvez por me rotular esperançoso, tenho que lhe confessar que sofri muitas
decepções na vida.
não só ri, como chorei.
não só tive, como perdi.
não só esperei, como não recebi...
Talvez se não tivesse tentado ser tão bom
eu poderia ser melhor para as outras pessoas.
As decepções, principalmente pra quem é esperançoso,
são muito frequentes, e a tristeza é inevitável,
porém,
da pra conviver.
Não se evita a decepção,
mas, o sofrimento é opcional.
Na vida acontece muita coisa que ninguém deseja,
mas isso serve para que as coisas certeiras
tenham valor extra. 
Pra que tenhamos momentos
sublimes e finitos mais especiais ainda.
E por mais que muita coisa tenha se passado
eu sei que não existe só um:
Eu Fui...
Existe também um:
Eu Vou...
 -E eu realmente vou, já é tarde, e tenho de passar o café!

Não me aguentei e quis saber ao menos o nome do senhor.
Então o questionei, e ele, já se levantando e partindo
com o auxilio de sua bengala, ajeitando sua boina e a barra da calça
me disse junto de um aceno de despedida:

 -Aldir, e até logo

Um fim de tarde.
O sol alaranjado.
O Inconsciente de mãos dadas
com o Consciente.
O banco.
e o Nada soberano.
Eu.